Imaginem a seguinte cena: num quarto pequeno e simples de uma casa pequena e simples de um bairro pequeno e simples de uma cidade linda, quente, solar, movimentada e exibida, nada simples, a cidade do Rio de Janeiro, está uma menina de 12 anos, sentada no chão, com as costas recostadas na cama, com um livro apoiado nos joelhos. Ela lê um conto chamado “A Legião Estrangeira”, de Clarice Lispector. Neste momento, alguma coisa acontece na sua alma. O fogo que os olhos captaram naquelas linhas impressas e que eles estão engolindo chegam ao mar congelado da sua alma. O texto de Clarice não é um machado, mas um incêndio, que não quebra o gelo, mas derrete. A menina não tem ainda a capacidade de entender o que está acontecendo no seu íntimo. Mas acaba de tomar a sua decisão, ali mesmo. Ela quer escrever. E escreve de fato, poucos dias depois, o seu primeiro conto. Tentando imitar Clarice Lispector.
Essa menina cresceu, está envelhecendo, mas continua naquele lugar, naquele quarto, com aquele livro sobre os joelhos, lendo o conto “A Legião Estrangeira”. Mas ela também está aqui diante de vocês, revivendo a mágica do nascimento da sua vontade de ser escritora.